1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA POSSE
1.1 – DIFICULDADES DE ESTUDO DO TEMA
Diversas são as dificuldades encontradas
pelo estudioso quando se deparam com o estudo da posse. Diversos tratados já
foram escritos sobre o tema. Contudo, nem por isso, a matéria ainda continua a
ser debatida nos ambientes acadêmicos.
Não
há matéria que se ache mais cheia de dificuldades do que esta, principalmente
no que tange a sua origem histórica, ao fundamento racional da sua proteção, à
sua terminologia, estrutura teórica, e aos elementos que a integram, ao seu
objeto, seus efeitos e modo de aquisição e perca.
Lafaille
apud Gonçalves (2018) nos aduz que:
Diversas causas
têm contribuído para que a posse seja um dos setores mais árduos e mais
complicados do Direito Civil. Os problemas que ela coloca são já de si
difíceis, tanto no que se refere ao distingui-la de outras figuras, como no que
respeita ao regulamentá-la e no organizar a sua defesa. Tudo isso, aliás, se
agrava com a anarquia de linguagem que se reflete nos autores e nas próprias
leis. (GONÇALVES, 2018, p. 29).
Fatalmente
é de se notar que o estudo da posse, principalmente em razão de suas
terminologias é um processo de grande dificuldade. Há que se notar ainda que os
debates acadêmicos envolvendo o cerne do tema não têm feitos grandes avanços,
uma vez que os resultados destes debates não têm apresentado proveitos que são
visíveis.
Nas
leis e nos livros dos jurisconsultos, bem como nas decisões dos tribunais, a
terminologia da posse é vária e imprecisa. Muitos são os que afirmam que
seguramente, nesta questão da proteção possessória, a problemática da
terminologia acaba complicando e muito o estudo da posse.
José Alves apud Gonçalves (2018) é
pontual:
Poucas matérias
há, em direito, que tenham dado margem a tantas controvérsias como a posse. Sua
bibliografia é amplíssima, e constante a afirmação dos embaraços de seu estudo.
(GONÇALVES, 2018, p. 29)
Assim,
há os que afirmam que a doutrina moderna da posse nem sempre tem guardado
correspondência com os diferentes direitos positivos, porque sofreu uma
vigorosa influência dos dois mais célebres autores que, com vistas ao direito
romano, trataram da posse no século XIX – SAVIGNY e IHERING -, ao passo que
parte dos Códigos modernos (entre tais o Código Civil francês) acabaram sendo
elaborados independentemente da teoria de ambos.
1.2 – FUNDAMENTOS DA POSSE
O nosso ordenamento jurídico protege não
apenas a posse correspondentes ao direito de propriedade e a outros direitos
reais como também protege a posse como uma figura autônoma e independente da
existência de um título. Embora possa o proprietário violentamente desapossado
de um imóvel se valer da ação reivindicatória para reavê-lo, é preferível que
se entre com ação possessória, cuja principal vantagem é a possibilidade de
reintegração do autor na posse do bem logo no início da lide, pois, a posse,
como situação de fato, não é difícil de ser provada.
A
proteção da posse visa evitar a violência e assegurar a paz social, uma vez que
a situação de fato apresente ser a situação de direito, e, por sua vez, uma
situação jurídica protegida pelo legislador.
Conforme
Oliveira Ascensão (1987):
A posse é uma das
grandes manifestações no mundo do direito do princípio fundamental da inércia.
Em princípio não se muda nada. Deixa-se tudo continuar como está, para evitar o
desgaste de uma mudança. Isto é assim, tanto na ordem política, como na vida
das pessoas ou das instituições. Quando alguém exerce poderes sobre uma coisa,
exteriorizando a titularidade de um direito, a ordem jurídica permite-lhe, por
esse simples fato, que os continue a exercer, sem exigir maior justificação. Se
ele é realmente o titular, como normalmente acontece, resulta daí a
coincidência da titularidade e do exercício, sem que tenha sido necessário
proceder à verificação dos seus títulos. (ASCENÇÃO, 1987, p. 80).
De
acordo com o artigo 1.196 do Código Civil brasileiro, “considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).
Caso
alguém venha a se instalar em um imóvel, de maneira mansa e pacífica, por mais
de ano e dia, há se configurada a situação possessória, algo que produz ao
referente direito de proteção. Esse direito é chamado de jus possessionis
ou posse formal, que é derivado de uma posse autônoma,
independentemente de qualquer título. É tão somente do direito fundado no fato
da posse que é protegida contra terceiros e até mesmo contra o proprietário
(GONÇALVES, 2018).
Por
sua vez, o direito à posse, o qual é conferido ao portador de título
devidamente transcrito, bem como aos titulares demais direitos reais, é
denominado de jus possidendi ou posse causal. Seja
caso de jus possessionis ou caso de jus possidendi, é assegurado
o direito à proteção dessa situação contra atos de violência, para garantir paz
social.
A
posse é distinta da propriedade. O possuidor encontra-se em uma situação de
fato, pela qual, aparentando ser o proprietário. Se o possuidor se confunde com
o proprietário, como na maioria dos casos o é, podemos ter em vista a
coincidência da titularidade com o exercício de direito. Sendo assim, o
possuidor não é realmente o titular do direito que a posse se refere. Nesta
situação é possível que se vislumbre duas possibilidades distintas: 1) Tendo o
titular desistido de defender o seu direito, pela inércia, consolida-se a
posição de possuidor, que acaba, eventualmente, gerando uma situação de possibilidade
de aquisição da coisa possuída, pelo intermédio da usucapião; ou, 2) O
verdadeiro titular exige a entrega da coisa perante medida judicial. Enquanto o
verdadeiro titula não exigir a entrega da coisa, o possuidor continuará a ser
protegido pela legislação. Portanto o cumprimento das finalidades sociais é
suficiente com a mera estabilização da situação fundada na aparência do
direito.
Sendo
assim cabe-se ressaltar que no jus possidendi há a investigação do
direito, a busca pelo fato que nutre o direito em que se argui a situação; no jus
possessionis atende-se somente à posse; somente essa situação de fato é que
se considera, para que sejam efetivados os efeitos jurídicos que a lei lhe
confere.
1.3 – ORIGEM HISTÓRICA DA POSSE
Desde
os tempos antigos a proteção da situação de fato originada pela posse é vista
como um reflexo da defesa da paz social. Caso alguém, por violência,
acaba se apoderando de uma coisa que outro tem em seu poder, a quebra desse
vínculo gera uma condição natural em que restituem-se manu militari os
sujeitos à situação anterior.
Conforme
Gonçalves (2018):
A origem da posse
é questão controvertida, malgrado se admita que em Roma tenha ocorrido o seu
desenvolvimento. As diversas soluções propostas costumam ser reunidas em dois
grupos: no primeiro, englobam-se as teorias que sustentam ter a posse sido
conhecida do direito antes dos interditos; no segundo, figuram todas aquelas
que consideram a posse mera consequência do processo reivindicatório.
(GONÇALVES, 2018, p. 30-31).
Dentre
as mais diversas teorias encontradas nos grupos anteriormente, destaca-se a de
Niebuhr que acabou sendo adotada por Savigny. Por esta teoria, os romanos, após
as conquistas possibilitadas pelas guerras, tinham como costume de destino das
conquistas deixar parte dos terrenos conquistados aos cidadãos, e a parte
restante acabava ficando para a cidade. No entanto, para que algumas áreas
reservadas à cidade não ficassem improdutivas, houve-se de conceder a
particulares as mesmas. As pequenas propriedades repartidas eram denominadas de
possessionis. Tais concessões eram feitas a título precário e
tinham natureza diferente da propriedade quiritária. Por esta razão não podiam
ser defendidas pela revindicatio, que é restrita ao titular da propriedade.
Para a proteção destas terras fora criado um processo específico de tratamento,
inspirado nas formas de defesa da propriedade, o interdito possessório.
Por
outro lado, dentre as teorias que afirmam que a posse é parte de uma consequência
do processo reivindicatório, temos a teoria de Ihering. Para Ihering, os
interditos possessórios, em sua origem, constituíam incidentes preliminares do
processo reivindicatório.
A
origem da posse é discutida até hoje nos ambientes acadêmicos e fora dele. Por
esta razão é extremamente dificultoso resolver a problemática da origem do
referido instituto, que parece não ser resolvida no presente, e longe de
solução futura.
1.4 – TEORIAS SOBRE A POSSE
De
acordo com Gonçalves (2018):
O estudo da posse
é repleto de teorias que procuram explicar o seu conceito. Podem, entretanto,
ser reduzidas a dois grupos: o das teorias subjetivas, no qual se
integra a de FRIEDERICH KARL VON SAVIGNY, que foi quem primeiro tratou da
questão nos tempos modernos; e o das teorias objetivas, cujo principal
propugnador foi RUDOLF VON IHERING. (GONÇALVES, 2018, p. 31).
Desta
forma, cabe-nos então dirigir o estudo para a ceara que tratam as referidas
teorias.
1.4.1 – TEORIA SUBJETIVA
A
grande sacada de SAVIGNY foi ter descoberto a posição autônoma da posse, de
modo que afirma-se de maneira categórica a existência de direitos exclusiva e
estritamente resultantes da posse; ou seja, o jus possessionis.
Assim, SAVIGNY veio a sustentar que basta o jus possessionis para a
constituição do núcleo próprio da teoria possessória (GONÇALVES, 2018).
Uma
das obras mais importantes de SAVIGNY é a obra intitulada TRATADO DA POSSE
(DAS RECHT BESITZES), publicada em 1893, quando o autor ainda tinha 24
anos.
De
acordo com SAVIGNY, a posse é o resultado da soma de dois elementos: o corpus
– elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa; e o animus
– elemento subjetivo, o qual é encontrado na intenção de exercício de poder
sobre a coisa, bem como, no interesse de que alguém possui de defender a coisa
contra a intervenção de outrem (GONÇALVES, 2018).
Cabe
destacar que para a configuração do elemento subjetivo não basta a convicção
que alguém tem de ser dono (opinio seu cogitatio domini) da coisa para
possui-la, mas sim é necessária a vontade de ter a coisa como sua (animus
domini ou animus rem sibi habendi), a vontade que o detentor tem de
exercício do direito de propriedade, como titular (GONÇALVES, 2018).
Faltando
o corpus, não há como existir a posse; e, faltando o animus domini
não há posse, mas sim, mera detenção. A teoria se diz subjetiva
principalmente por causa da constância do animus domini, que é o
elemento de classificação. Na visão de SAVIGNY, a posse só passa a existir
depois que o elemento material – poder sobre a coisa – junta-se com o elemento
subjetivo – vontade de proprietário; o elemento anímico, espiritual. Portanto,
não constituem relações possessórias aquelas em que há a ausência do animus
domini, que é a intensão de ter a coisa como sua, exercendo as
prerrogativas de dono, ou vontade de proprietário.
Contudo,
há que se ressaltar que o direito moderno não pode negar proteção possessória
ao arrendatário, locatário ou usufrutuário; os quais detém a capacidade de
ajuizar medidas competentes enquanto exercem a posse, pela defesa de que
utilizam a coisa com animo nomine alineo
Desta
forma, SAVIGNY procurou por uma solução tangencial:
(...) uma terceira
categoria além da posse e da mera detenção, a que denominou posse derivada,
reconhecida na transferência dos direitos possessórios, e não do direito de
propriedade, e aplicável ao credor pignoratício, ao precarista e ao depositário
de coisa litigiosa, para que pudessem conservar a coisa que lhes foi confiada.
(GONÇALVES, 2018, p. 32).
Tão
logo não pudesse o direito moderno promover a tutela dos sujeitos acima
citados, tais não estariam aptos para exercer a guarda e a conservação do que lhes
foram confiado por meio relação jurídica.
1.4.2 – TEORIA DE IHERING
Esta
é a teoria objetiva, e não detém este nome atoa. De fato, para RUDOLF
VON IHERING, não há que se tratar do animus. Pela teoria objetiva, o
animus já está literalmente fundido com a coisa, dando ênfase, na posse,
para o caráter de exteriorização da propriedade.
Na
postulação de IHERING, o corpus é mais que o contato físico com a coisa,
e sim, a conduta do dono. Tem a posse quem se comporta como dono, e no
comportamento já se está incluído o animus, sem que se precise de maior
evidencia para reconhecer a vinculação jurídica resultante de tal
comportamento.
Neste
sentido, assevera GONÇALVES (2018) que:
Para se configurar
a posse basta, portanto, atentar no procedimento externo, uma vez que o corpus
constitui o único elemento visível e suscetível de comprovação. Para essa
verificação não se exige um profundo conhecimento, bastando o senso comum das
coisas. (GONÇALVES, 2018, p. 33).
As
decisões tomadas como dono podem ser analisadas de maneira objetiva, sem
necessidade de que se consulte o animus do agente. Como exemplo desta
condição tem-se a figura do lavrador, que embora não esteja com a coisa –
plantação – em suas mãos, ainda assim, o mesmo a possui. Neste ponto, a posse é
vista como elementos de exteriorização da propriedade, com o domínio visível, e
uso econômico da coisa. Assim a posse é tutelada pelo direito.
Desta
maneira, para IHERING a posse não é um poder físico, mas sim, a exteriorização
da propriedade.
1.4.3 – TEORIAS
SOCIOLÓGICAS
Novas
teorias estão sendo desenvolvidas que objetivam o estudo das relações
possessórias, de modo que faça valer a mesma, a autonomia em face do instituto
da propriedade.
Assim,
se faz mister GONÇALVES (2018):
Essas novas
teorias, que dão ênfase ao caráter econômico e à função social da propriedade,
aliadas à nova concepção do direito de propriedade, que também deve exercer uma
função social, como prescreve a Constituição da República, constituem
instrumento jurídico de fortalecimento da posse, permitindo que, em alguns
casos e diante de certas circunstâncias, venha a preponderar sobre o direito de
propriedade. (GONÇALVES, 2018, p. 33).
Em
1906 PEROZZI veio então formular, na primeira edição de suas instituzion di
direito romano, a teoria social da posse, que é composta pelo comportamento
passivo dos sujeitos integrantes da coletividade em relação ao fato, ou seja; a
abstenção de terceiros com referência a posse. Assim sendo, a posse não
necessariamente precisa do corpus e do animus e resulta do “fator
social”, que é dependente da abstenção de terceiros. A título de exemplo tem-se
o homem que caminha com o chapéu: para SAVIGNY, o homem tem a posse do chapéu,
porque o tem sobre a cabeça, de maneira que ele também pode retirar o chapéu e
recolocar quando quiser, de modo que o mesmo está pronto para defender-se de
quem tenta violentamente tomar o objeto; para IHERING, o homem é possuidor do
chapéu porque ele apresenta ser o proprietário do chapéu; para PEROZZI, há tão
somente a posse, em razão de que quem tem o chapéu na cabeça quer dispor do
mesmo, e todos os demais, se abstém de importunar o homem utilizando o chapéu.
Conforme
PEROZZI, os homens, quando atingem um certo grau de civilidade, acabam se
abstendo de interferir arbitrariamente numa coisa que, em aparência, não
indique liberdade. Logo, a posse, é concebida como o poder exercido sobre a
coisa, em que o indivíduo reserva-lhe o poder em detrimento de todos os outros.
Tal condição também pode ser identificada como a plena disposição de fato de
uma coisa.
Em
SALEILLES, a teoria da apropriação econômica, demanda a independência da
posse em relação ao direito real, porquanto que se manifesta em prejuízo de
valor conforme a consciência social em questões econômicas.
Conforme
GONÇALVES (2018):
A teoria de
SALEILLES é considerada tão importante quanto as de SAVIGNY e IHERING, pela sua
profundidade filosófica e por ressaltar a autonomia da posse, que deve ser
vista, sob o ponto de vista formal, como independente do direito (de propriedade
ou outro direito real). (GONÇALVES, 2018, p. 35.).
No
Brasil, o grande passo em direção a compreensão da concepção social da posse
foi executado com a reafirmação, constante do inciso XXIII do artigo 5° da
Constituição Federal de 1988, onde “a propriedade atenderá a sua função social”
(BRASIL, 1988, n. p.).
1.5 – CONCEITO DE POSSE
O
conceito de posse vem então ser formulado pela soma dos textos e proposições
dos jurisconsultos que formularam nosso direito pré-codificado com o sistema do
Código Civil de 1916, e às diversas teorias acima estudadas. Em todas as
escolas estudadas há que se ressaltar que sempre está em foco a ideia de uma
situação de fato, na qual uma pessoa, seja ou não seja proprietária, exerce em
relação a uma coisa, poderes, de conservação ou de defesa. É desta maneira que
o dono exerce seu papel no tecido do ordenamento jurídico; é desta maneira que
procede quem tem fruição jurídica cedida por outrem – locatário, comodatário,
usufrutuário – é desta maneira que se porta quem zela por coisa alheia –
administrador, inventariante, síndico – é desta maneira que age aquele que se
utiliza de coisa móvel ou imóvel, sacando proveito ou vantagem – usufrutuário.
Logo, em toda posse, a situação de fato é definida por uma coisa e uma vontade,
que acaba por traduzir a relação de fruição (GONÇALVES, 2018).
Conforme
IHERING, autor adotado pelo direito positivo brasileiro, a posse é a conduta
de dono. Sempre que há o exercício dos poderes de fato, que são inerentes à
propriedade, existe também a posse, a não ser que exista uma norma que venha
definir que a relação em questão é de mera detenção e não de posse. Com isso
cabe-se definir que nem todo estado de fato resulta fatalmente em posse; há
algumas condições em que encontramos a mera detenção, que muito se assemelha à
posse, mas que tem efeitos totalmente distintos quando comparados
juridicamente.
O
conceito de posse é facilmente encontrado na legislação brasileira. O artigo
1.196 do Código Civil de 2002 declara: “todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” é
considerado como possuidor. Juntando-se a este patamar, o artigo 1.198 do mesmo
diploma legal assevera que “considera-se detentor aquele que, achando-se em
relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas”.
O
parágrafo do artigo acima citado estipula uma presunção juris tantum
para aquele que está em detenção, uma vez que “aquele que começou a
comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra
pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário” (BRASIL, 2002, n.p.).
Assim, o agente deve demonstrar, para mudança da condição de detenção, que
deixou de conservar a posse em nome de outrem, e de que cessou o cumprimento
das ordens e instruções antes recebidas.
É
claro que se tal mudança decorrer de uma causa ou fato ilícito, o detentor
transmutar-se-á em possuidor justo, em relação àquele de quem houve a coisa.
Desta forma, se o empregado adquirir o bem que até então pertenceu ao patrão,
ele deixa de ser detentor, e torna-se justo possuidor da coisa. Contudo, se a
mudança de comportamento for proveniente de força própria proibida, o
subserviente se torna possuidor precário, em relação ao possuidor anterior
(GONÇALVES, 2018).
Ainda
há que se notar o artigo 1.208, que prescreve:
Art. 1.208. Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade. (BRASIL, 2002, n. p.).
Portanto,
o conceito de posse para o ordenamento jurídico brasileiro é resultante da soma
dos 3 dispositivos analisados acima, de modo que um complementa o outro.
O
artigo 485 do Código Civil de 1916, quando definiu o possuidor, fazia alusão
aos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. De acordo com este
artigo, considerava-se possuidor “todo aquele, que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade”
(BRASIL, 1916, n.p.). Assim, se faz mister notar que “domínio” tem um
caráter de restrição, pois só é utilizado em relação às coisas que são
corpóreas. Por sua vez, o vocábulo “propriedade” abrange não apenas as
coisas corpóreas, como também, as incorpóreas; de modo que se considere como
campo o campo dos direitos sobre o patrimônio.
Neste
sentido:
Como a posse não
se limita às corporales res, podendo o seu objeto consistir em qualquer
bem, o Código Civil de 2002 suprimiu a expressão “ao domínio”, que a
doutrina considerava ociosa, sem afastar do âmbito da posse qualquer espécie de
bem. (GONÇALVES, 2018, p. 37).
MONTEIRO
apud GONÇALVES (2018) nos aduz que a posse implica em exercício de
poderes de fato, e que não pode recair sobre um direito, uma vez que o direito
é uma entidade normativa; uma abstração. “A referência ao direito apenas serve
para delimitar o animus da posse: possui-se nos termos da propriedade,
nos termos do usufruto, nos termos de uma servidão, etc.” (GONÇALVES, 2018, p.
37).
Embora
não haja posse de direitos, admite-se que haja a posse nos termos de certos
direitos pessoais: locação, comodato, depósito, penhor e outros, implicam em
exercício de poderes de fato sobre a coisa, expressa no art. 1.197 do Código
Civil. Em relação a este artigo, segue:
Art. 1.197 A posse
direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de
direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem foi havida, podendo o
possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. (BRASIL, 2002).
FIGUEIRA
JÚNIOR apud GONÇALVES (2018) nos mostra que há criticas em relação ao
artigo 1.196 do Código Civil, muito no que dispõe da posse como sendo exercício
dos poderes da propriedade. Este autor admite que em razão do corpus
apresentado pela coisa, são prescindíveis o exercício de atos, de modo que
basta, apenas, em qualquer hipótese a existência de poder sobre a coisa.
Por esta razão é cabível o exemplo da posse de um imóvel sem que o possuidor o
cultive, explore ou o visite.
Isto
ocorre porque a posse não é um exercício do poder, mas sim, o poder
propriamente dito em que o titular da relação fática tem sobre determinada
coisa, que pode ser caracterizado tanto pelo exercício, quanto pela
possibilidade de exercício. Sendo assim, a posse é disponibilidade e não
a disposição. Por tanto, é a relação potestativa, e não necessariamente
o seu efetivo exercício.
Para
isso, assevera GONÇALVES (2018):
O titular da posse
tem o interesse potencial em conservá-la e protege-la de qualquer tipo de
moléstia que porventura venha a ser praticada por outrem, mantendo consigo o
bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua efetiva função
socioeconômica. Os atos de exercício dos poderes do possuidor são meramente
facultativos – com eles não se adquire nem se perde a senhoria de fato, que
nasce e subsiste independentemente do exercício desses atos. Assim, a adequada
concepção sobre o poder fático não pode restringir-se às hipóteses do exercício
deste mesmo poder. (GONÇALVES, 2018, p. 37)
1.6 – DIFERÊNÇAS ENTRE POSSE E DETENÇÃO
Aqui
encontra-se uma relação que muito se confunde nos âmbitos atuais pelos
corredores acadêmicos do Direito. Distinguida a posse da detenção, encontra-se
a dimensão da posse.
Conforme
SAVIGNY, o corpus seria somente a detenção, de modo que a detenção se
eleva a posse, após acrescentado o elemento subjetivo: o animus domini
ou animus rem sibi habendi – vontade de possuir para si. Outrossim,
apenas existe a detenção quando há a identificação da vontade de possuir para
outrem ou em nome de outrem; como exemplo tem-se a locação, o comodato, o
usufruto, etc. (GONÇALVES, 2018)
Já,
com relação a IHERING, a distinção não está correlacionada com a existência de
um animus específico. Apesar de ambas as teorias terem como base o corpus,
como elemento exterior, e animus com elemento interior, os quais são
intimamente ligados, de maneira indissociável, e se revelam pela conduta de
dono. Conforme IHERING a posse é a exterioridade, a visibilidade do domínio,
sendo que tem posse todo aquele que se manifesta como proprietário. Sendo
assim, a detenção acaba ocupando o último grau na escala das relações jurídicas
entre pessoa e coisa. Como principal desta escala se encontra a propriedade e
seus desmembramentos; em segundo lugar encontra-se a posse de boa-fé; em
quarto, a posse; e, finalmente, em quinta posição, a detenção (GONÇALVES,
2018).
De
acordo com IHERING, o que distingue a posse da detenção é um elemento objetivo,
no caso, o dispositivo legal. Nesta linha, o dispositivo legal é quem estipula
quem é o detentor e quem é o possuidor, de modo que a detenção pode parecer uma
posse degradada. Como é a lei quem define o que é uma relação de detenção,
faz-se mister recorrer ao artigo 1.198, que aduz:
Art. 1.198
Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com
outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções
suas. (BRASIL, 2002, n. p.)
Desta
maneira, o Código considera que é detentor quem esteja em uma relação de dependência
para com outrem que conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens
ou instruções suas (GONÇALVES, 2018).
Assim,
não há como se considerar que o detentor seja equiparado ao possuidor,
porquanto o detentor é um mero “servidor da posse”. Como exemplo, temos o caso
do bibliotecário, do motorista particular ou do caseiro (GAGLIANO e PAMPLONA
FILHO, 2019).
Mesmo
assim, convém-se notar que a detenção pode ser convertida em posse quando se
deixa de cumprir as instruções, de maneira que o agente passa a atuar com
liberdade no exercício de poderes inerentes à propriedade – usando ou fruindo –
conforme já decidiu o STJ.
Ainda,
é conveniente ressaltar que, há outra condição em que a posse não é
identificada, as condições estabelecidas no artigo 1.208 do Código Civil.
Como exemplo, tem-se a permissão de que o
vizinho passe a tarde em uma área de piscina, este é um ato de mera permissão,
não induzindo a posse, sendo assim configurada a detenção. Outro exemplo de
detenção é a invasão de propriedade. Se A invade uma fazenda, durante os dias
em que se tem o esforço do proprietário para, mediante uso legítimo e
proporcional de força, defender o imóvel, o invasor será considerado detentor
da parte invadida. Contudo, se cessada a violência, e com a renúncia de defesa
do proprietário, no exemplo dado, A deixa de ser detentor para então ser
possuidor efetivo.
Também
merece destaque a ocupação de bens públicos. Já julgou o STJ que, a depender da
natureza do bem, sendo público o bem, o resultado é a mera detenção. Neste
sentido:
RECURSO ESPECIAL.
DIREITO DAS COISAS. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. ESBULHO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. REGULARIDADE
DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. HARMONIA ENTRE ACÓRDÃO RECORRIDO E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR.
REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DO PEDIDO E
LEGITIMIDADE AD CAUSAM. CONDIÇÕES DA AÇÃO. TEORIA DA ASSERÇÃO. POSSE DE BEM
PÚBLICO DE USO COMUM. DESPROVIMENTO. (...) 7. Diferentemente do que ocorre com
a situação de fato existente sobre bens públicos dominicais – sobre os quais o
exercício de determinados poderes ocorre a pretexto de mera detenção -, é
possível a posse de particulares sobre bens públicos de uso comum, a qual,
inclusive, é exercida coletivamente, como composse. (...) 9. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 1.582.176/MG,
rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20-9-2016, DJe 30-9-2016).
Neste
esteio, convém-nos citar a Súmula 619 do STJ, a qual diz que “a ocupação
indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária,
insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”. Assim,
para ser considerada a mera detenção é necessário que a ocupação seja indevida,
o que não ocorre com os bens públicos de uso comum, pois, como vimos os mesmos
admitem a posse a título coletivo – composse.
1.7 – POSSE DE DIREITOS – POSSESIO JURIS
Entre
os romanos, não há dúvidas de que a noção de posse não transpunha o paradigma
dos direitos reais. O senhorio direto e exclusivo das coisas materiais era
reconhecido pelos grandes jurisconsultos, bem como, as consequências jurídicas
da posse e certos elementos destacados da propriedade. Outrossim, também eram
reconhecidos certos direitos sobre as coisas que eram capazes de exercício
contínuo, tal como as servidões, e, para alguns, a enfiteuse e a superfície.
Além
desses direitos, porém, que são subordinados ao poder físico e circunscritos às
manifestações elementares da propriedade, não havia extensão para a posse, a
denominada “posse romana”.
Ocorre
que o Direito Canônico, nas linhas do monumental jurista, viria alterar esta
concepção para admitir a sua projeção no paradigma dos direitos pessoais,
contudo, com tempo a tese veio a perder força, de maneira que o Código Civil
brasileiro de 2002, não abarca a referida tese.
Neste
sentido GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2019), são pontuais:
Em verdade, se, em
passado mais distante, já houve interesse em se desenvolver a tese da posse dos
direitos, para o fim de facilitar a sua própria defesa em Juízo (imagine-se,
por exemplo o ajuizamento de um interdito possessório para garantir a posse do
direito à matrícula em uma universidade), tal não mais se justificaria, dada a
existência de meios processuais próprios, inclusive do mandado de segurança.
(GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019, p. 96).
Assim
sendo, resta claro que a posse de direitos não recebe tutela do ordenamento
jurídico atual, uma vez que a tendência de nosso sistema é o reconhecimento de
posse em face de bens corpóreos (carro ou casa) ou, excepcionalmente, em face
de bens incorpóreos (energia elétrica), os quais não se confundem com os
direitos pessoais.
Portanto,
os bens incorpóreos, apesar de não apresentarem corpus definido, não se
confundem com os direitos pessoais. Os mais variados tipos de energia, por
exemplo, de uma maneira geral, como a elétrica, embora não seja concreta, são tangíveis,
e, por isso, são perceptíveis ao sentido humano de maneira que a posse pode
recair sobre as mesmas.
É
correto que se estabeleça que o sujeito de direito “possui” uma coisa ou um bem
imaterial, mas, em relação ao direito, é visto que o sujeito é “titular”,
principalmente quando a questão envolve os direitos pessoais. Um direito à
crédito, ou mesmo, à matrícula em uma universidade não é estabelecido na
relação possessória, e sim, em relação de titularidade.
Contudo,
como o Direito não é uma ciência exata, é possível que se admita a posse de um
direito pessoal, para efeitos de reconhecimento da usucapião, hipótese
protegida pela Súmula 193 do STJ:
Súmula 193 – STJ – O direito de
uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.
Como
se sabe, a usucapião pressupõe a posse de um bem que é usucapível, e, nesse
caso, o direito de uso da linha telefônica, mesmo que seja pessoal, e mesmo que
os direitos pessoais não sejam possuídos, em razão da usucapião, e tão somente
para esse fim, é encontrada a exceção da regra. Uma exceção à regra especial,
diga-se de passagem.
1.8 – CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
Os
critérios para a classificação da posse são vários, de modo que os que estão em
vigor são mais importantes e por isso são mencionados neste estudo.
Quanto
ao exercício e gozo, a posse pode ser direta ou indireta.
Quanto
à existência de vício, a posse pode ser justa ou injusta.
Quanto
à legitimidade do título – elemento subjetivo –, a posse pode ser de boa-fé ou
de má-fé.
Quanto
ao tempo, a posse pode ser nova ou velha.
Quanto
à proteção, a posse pode ser posse ad interdicta ou posse
usucapionem.
1.8.1 – QUANTO AO EXERCÍCIO E GOZO
Posse
direta é aquela que é exercida mediante o poder material ou o contato direto
com a coisa, como exemplo, tem-se o locatário. Por sua vez, posse indireta é
aquela que é exercida por via oblíqua, como exemplo, tem-se o locador que frui
ou goza dos aluguéis, sem que esteja direta e pessoalmente exercendo o poder
material ou físico em relação ao imóvel locado (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019).
O
Código Civil de 2002, em seu artigo 1.197 é claro.
Se
faz mister notar que a posse direta pode coexistir juridicamente com a posse
indireta. A posse direta pode advir de direito pessoal ou de direito real.
Exemplo de posse direta advinda de direito pessoal é o exemplo da locação; já
posse direta advinda de direito real é a que se dá no usufruto. Salienta-se que
ambas podem coexistir conjuntamente, de modo que é facultado a qualquer dos
possuidores a defesa da posse, seja entre si, seja em face de terceiros
(GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019).
Em
relação a este ponto é mister que se elucide como tem decidido o STJ:
RECURSO ESPECIAL.
CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO AJUIZADA POSTERIORMENTE AO ABANDONO DO IMÓVEL
PELA LOCATÁRIA. POSSIBILIDADE. OBJETIVO: EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Celebrado o contrato de locação, opera-se
o fenômeno do desdobramento da posse, pela qual o locador mantém para si a
posse indireta sobre o imóvel, transferindo ao locatário a posse direta, assim
permanecendo até o fim da relação locatícia. 2. Enquanto válido o contrato
de locação, o locatário tem o direito de uso, gozo e fruição do imóvel, como
decorrência de sua posse direta. Nessa condição, pode o locatário, sem
comprometimento de seu direito, dar ao imóvel a destinação que melhor lhe aprouver,
não proibida por lei ou pelo contrato, podendo, inclusive, se assim for sua
vontade, mantê-lo vazio e fechado. 3. As ações de despejo têm natureza pessoal,
objetivando a extinção do contrato de locação, em razão do fim de seu prazo de
vigência, por falta de interesse do locador em manter o vínculo porque o
locatário inadimpliu qualquer de suas obrigações ou ainda porque é de seu
interesse a retomada do imóvel, por uma das causas previstas em lei. 4.
Hipótese em que, não existindo nos autos prova de que o contrato de locação foi
rescindido, deve prevalecer a presunção de sua validade, sendo vedado à
locadora retomar a posse do imóvel por sua livre e espontânea vontade, ainda
que a locatária estivesse inadimplente no cumprimento de suas obrigações, sob pena
de exercer autotutela. O remédio jurídico, em tal caso, nos termos do art. 5°
da Lei 8.245/91, é o ajuizamento da necessária ação de despejo. 5. Recurso
especial conhecido e improvido (REsp 588.714/CE, rel. Min. ARNALDO ESTEVES
LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 9-5-2006, DJ 29-5-2006, p. 286.)
1.8.2 – QUANTO À EXISTÊNCIA DE VÍCIO
Sem
dúvidas, esse ponto merece real atenção, por ser um dos pontos mais importantes
dentre os critérios de classificação da posse. Conforme o artigo 1.200 do Código
Civil, justa é a posse que não for considerada como violenta,
clandestina ou precária; e, sendo assim, é injusta, quando for
considerada violenta, clandestina ou precária (GAGLIANO e PAMPLONA,
2019).
Como
exemplo, a doutrina traz a invasão de imóvel rural. A invade o imóvel rural de
B, no dia 30 de dezembro; pelo período de 3 (três) dias B lançou meios
legítimos de autodefesa, em resistência à invasão. No dia 2 de janeiro,
cessados os atos de violência, houve consolidação do esbulho, de modo que A expulsa
B que é legítimo possuidor. Nessas condições, de fato, é reconhecido que B
apresenta relação possessória, mas a posse é injusta, por ser derivada de atos
de violência.
O
mesmo ocorre se, A, de maneira clandestina adentra-se o imóvel de B ficando oculto
por alguns dias, acabando por se manifestar para B impedindo que B exerça seus
poderes de possuidor legítimo, nesta linha há a relação possessória, mas é clandestina.
Posse
precária, é a definida pelo artigo 1.200 do Código Civil “é justa a posse que
não for violenta, clandestina ou precária”. Como exemplo a doutrina traz o
empréstimo de um apartamento a título gratuito, para um grupo de amigos passar
uma semana na praia. Nesse exemplo, caso o apartamento seja pedido de volta, e
o grupo de amigos se recusar a sair do imóvel, a posse lícita é eivada de
vício, no caso, passando a apresentar precariedade, e sendo injusta.
O
que ocorre, no caso, é a alteração na natureza da posse exercida, que até então
é lícita, pelo fenômeno da interversio possessionis – intervenção da
posse.
Neste
sentido, o enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil, se faz elementar:
Enunciado n° 237 –
Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio
possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato
exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por
efeito a caracterização do animus domini.
1.8.3 – QUANTO A LEGITIMIDADE DO TÍTULO
A
boa-fé constitui um dos princípios básicos do Direito Civil, ao lado de tantos
outros. Os princípios são elementos basilares que norteiam a interpretação dos
institutos de direito.
Neste
esteio, a boa-fé é a alma das relações sociais, em razão de que sua condução
atribui ao agente vários privilégios e imunidades, principalmente em matéria de
posse, de maneira que ao possuidor de boa-fé, por exemplo, é evidenciado o
direito à percepção dos frutos (Art. 1.214, CC/02 – O possuidor de boa-fé tem
direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos).
Considera-se
de má-fé aquele que possui consciência da ilegitimidade de seu direito, e, por
sua vez, é de boa-fé aquele que tem a convicção de que procede em seus atos
dentro das conformidades da norma jurídica. Tal condição pode decorrer da
própria realidade, ou pode ser originada de um erro, seja de fato, ou de
direito. Deste modo, não deixa de estar em boa-fé o possuidor que ignora o
obstáculo a que possua, ou de maneira equivocada, tenha razão de supor correta
a sua condição, embora na verdade não seja (PEREIRA, 2017).
A
problemática que envolve a prova da boa-fé, na relação possessória, não é
diferente dos tormentos que a prova da boa-fé em geral encontra pelo caminho.
Todo aquele que invoca a boa-fé, para que tire proveito ou vantagem, basta que
prove a diligência ou cautela considerada normal, de modo que a boa-fé é
presumida, o que incumbe àquele que reivindica demonstrar que o possuidor
conhecia dos vícios do título. Sendo assim, esta é uma circunstância de fato, a
qual supõe existir até que o contendor se convença de que o possuidor possui
indevidamente, ou que haja a inversão do título que é geradora de má-fé
superveniente. Em relação a este ponto, se faz mister citar o artigo 1.202 do
Código Civil.
Conforme
este artigo:
Art. 1.202. A
posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as
circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui
indevidamente. (BRASIL, 2002, n.p.).
Aqui
fica claro, pelo princípio legal que existe uma verdadeira dificuldade em se
investigar a má-fé, o que demanda a presunção, que no caso é juris tantum,
pois a prova, para se dar, precisa que o animus do agente seja
investigado, algo que é de grande dificuldade, pelo caráter subjetivo da
questão.
Nesta
linha, o preceito moral se faz mister, em razão de que, “se as circunstâncias
induzem a presunção de que o possuidor não ignora que possui indevidamente, não
se deve mobilizar a seu prol o aparelho jurídico-processual” (PEREIRA, 2017, p.
44).
1.8.4. – QUANTO AO TEMPO – NOVA OU VELHA
Posse
nova é aquela que tem menos de ano e dia.
Posse
velha é a que tem mais de ano e dia.
Essa
distinção tem muita relevância para efeitos processuais, uma vez que o art. 558
do CPC/15 estabelece que caso a posse de terceiro seja nova, poderá o
demandante, quando houver lançado mão de interdito possessório, em defesa de
seu direito, requerer provimento liminar que é previsto no art. 562 desta lei
(GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019).
Quando
o prazo é ultrapassado, o deferimento da liminar não é mais possível, de modo
que o demandante pode lançar mão da tutela provisória.
1.8.5 – QUANTO À PROTEÇÃO – AD INTERDICTA
OU AD USUCAPIONEM
A
posse ad interdicta proporciona os direitos de defesa da posse – interditos
possessórios – mas não proporciona à usucapião, como é o caso do exemplo do
locatário.
A
posse ad usucapionem, por seu turno, é aquela em que se apresenta a aptidão
como resultado último de aquisição da propriedade.
Em
relação a este tema, convém-nos analisar o seguinte acórdão do STJ:
DIREITO CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL,
EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE. OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL.
INDUZIMENTO MALICIOSO. DOLO CONFIGURADO. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1. O
erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo
agente, seja no tocante à pessoal, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico,
sendo que para render ensejo à desconstituição de um ato haverá de ser
substancial e real. 2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão
de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos
contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal
da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa. 3. A
usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse
prolongada da coisa, preenchidos os demais requisitos legais, sendo que aqui,
como visto, não se discute mais sobre o preenchimento desses requisitos para
fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa. De fato, preenchidos os
requisitos da usucapião, há, de forma automática, o direito à transferência do
domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade. 4.
No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para
fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio, porquanto o
comprador já preenchia os requisitos da usucapião quando, induzido por
corretores da imobiliária, ora recorrente e também proprietária, assinou
contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad
usucapionem. Portanto, incide o brocardo nem plus iuris, isto é,
ninguém pode dispor de mais direitos do que possui. 5. Ademais, verifica-se
do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece
ter havido, também, um induzimento malicioso à pratica de ato prejudicial ao
autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida
se o declarante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1.916, art. 92). 6.
Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras
para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na
ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, também por esse
motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento. 7. Recurso especial não
provido. (REsp 1.163.118/RS, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 20-5-2014, REPDJe 5-8-2014, DJe 13-6-2014).
Resta
claro que no momento de concessão da posse, há uma força que trata da teoria subjetiva
de SAVIGNY, uma vez que, seja ad
interdicta ou ad usucapionem, o animus, a depender de como se
observa, é tido para aquisição da propriedade ou não.
1.9 – COMPOSSE
A
composse pode ser traduzida pela ideia da posse em comum. Posse coletiva. É
fato que em princípio, a condição jurídica do possuidor em relação a coisa se
assemelha a condição de proprietário, conforme as linhas de IHERING e sua
teoria objetiva. O possuidor e o proprietário se confundem, pois, ambos são
qualificados pela exclusão, porquanto excluem as demais pessoas de exercerem os
poderes dominiais de uso e fruição da coisa.
Neste
sentido, a composse é uma situação curiosa.
A
composse consiste na posse comum e de mais de uma pessoa sobre uma mesma coisa,
coisa esta que é encontrada no estado de indivisão, conforme norteia o art.
1.199 do CC/02 (Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada
uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores).
Assim,
reta claro que para haver composse são necessários 2 elementos: que haja mais
de um possuidor e que a coisa seja indivisa, ou esteja em estado de indivisão.
Como
exemplo, tem-se a composse: 1) entre cônjuges, consorciados pelo regime da
comunhão universal de bens, e entre conviventes havendo união estável; 2) entre
herdeiros, antes da partilha do acerto; 3) entre consócios, nas coisas comuns,
salvo se tratar de pessoa jurídica; e, finalmente, 4) em todos os casos em que
couber a ação communi dividundo.
É
por força de convenção ou a título hereditário que duas ou mais pessoas acabam
sendo consideradas compossuidoras; ou seja, é a partir deste momento que a
composse é originada. Sendo assim, as pessoas, possuidoras do mesmo bem ou
coisa, exercem a composse por quota ideal, de maneira que não se use a composse
para embaraçar a composse alheia. Portanto, se uma composse atrapalhar ou
embaraçar a composse de outro, é possível que este outro lance mão de um
interdito possessório contra o primeiro.
Perante
terceiros, cada compossuidor representa a posse dos consortes. Logo, em
relações externas os compossuidores agem como se fosse um único sujeito.
Em
relação a classificação, a composse pode ser: 1) pro diviso, que
é quando os possuidores, apesar de terem direito à posse de todo o bem,
delimitam áreas para exercício – como é o caso de irmãos condôminos e
compossuidores de mesmo nível no momento que resolvem delimitar a área de uso
de cada um; ou, 2) pro indiviso, que é quando os possuidores acabam exercendo,
de maneira simultânea, os atos de posse sobre a totalidade do bem.
1.10 – AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE
Em
relação a aquisição da posse, se faz mister o entendimento do artigo 1.204 do
Código Civil de 2002:
Art. 1.204.
Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em
nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. (BRASIL, 2002,
n.p.).
Trata-se,
por seu turno, de uma regra bem clara.
É
válido também lembrar o comentário de CLÓVIS BEVILÁQUA, que, mesmo que se refira
ao código de 1916, ainda ilustra, com relativa exatidão, o momento em que
deve-se considerar que a posse é adquirida:
Se a posse é o
estado de fato, correspondente ao exercício da propriedade ou de seus
desmembramentos, sempre que esta situação se definir, nas relações jurídicas,
haverá posse.
Assim,
considera-se que a posse é adquirida quando a realidade puder demonstrar que o
agente passou a exercer, em prática, qualquer dos poderes de usar, gozar ou
fruir, dispor da coisa, ou mesmo reivindica-la (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO,
2019).
Logo,
quando A passa a atuar como se fosse proprietário de uma determinada coisa,
promovendo modificações ou percebendo os seus respectivos frutos, pode-se estar
diante de uma situação em que se configure a aquisição da posse.
Estabelecer
os limites deste momento é fundamental para considerar diversos efeitos
jurídicos, com vistas a aquisição do direito de propriedade, como acontece com
a usucapião.
O
modo de aquisição da posse não se compatibiliza com o modo de aquisição da
propriedade. “Quem pretende demonstrar a aquisição da propriedade tem de
ministrar a prova da origem ou do motivo que a engendrou. O mesmo, porém, não
se dá com a posse” (GONÇALVES, 2018, p. 57).
Uma
vez que a posse é estado de fato, o qual pode ser demonstrado como tal, não há
razões que justifiquem a busca de sua origem, bastando, para a posse, apenas a
prova da situação de fato, enquanto que para a prova da aquisição da
propriedade, é necessário que se retome às origens (GONÇALVES, 2018).
No
entanto, apesar disto, a prova da origem da posse repercute em seus efeitos,
sem contar que o fato dos vícios se encontram diretamente atrelados a esta
questão. Os vícios da posse decorrem da forma pela qual ela é adquirida, e,
sendo assim, eles surgem em seu momento inicial. A posse pode ser considerada
violenta ou clandestina em virtude de vício encontrado no momento de sua
aquisição. Além do mais, a volta aos registros de origem da posse permite o
apuramento do transcorrer do lapso de ano e dia, que distingue a posse nova da
posse velha. E por fim, é necessário que se volte às origens da posse para fins
de usucapião (GONÇALVES, 2018).
Os
modos de aquisição da posse são vários, podendo ser inter vivos – compra
e venda, doação, dação em pagamento, etc. – mortis causa – herança,
legado –, ou judiciais – arrematação, adjudicação, partilha em
inventário, sentença em ação communi dividundo (PEREIRA, 2017).
Especialmente
em relação à transmissão mortis causa, dois dispositivos são cruciais e
merecem especial atenção:
Art. 1.206. A
posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos
caracteres. (BRASIL, 2002).
Art. 1.207. O
sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor
singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para efeitos legais. (BRASIL,
2002).
Estes
dois dispositivos tratam da posse em seu momento sucessório, fazendo alusão no
âmbito do Direito das Sucessões. Em ambos os momentos, é possível que se
identifique que a intenção do legislador foi a de assimilar o conceito de
sucessor universal em face do herdeiro. O sucessor universal continua a posse
do antecessor. Sendo assim, caso a posse do autor da herança seja viciada, ela
continuará viciada para o herdeiro. Já, no caso do adquirente singular, a união
da sua posse com a posse do antecessor é facultativa, sendo que o mesmo só vai
unir a mesma por critérios de conveniência.
Assim,
pode-se estabelecer que é o que ocorre com o legatário ou com o donatário,
porquanto ambos são sucessores singulares.
Neste
ponto, é interessante vislumbrar como FLÁVIO TARTUCE trabalha o tema:
Especializando
esse princípio da continuidade, preconiza o art. 1.207 da codificação material
que o sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao
sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para efeitos
legais. Assim, como se nota, a lei diferencia dois tipos de sucessão: a
universal (nos casos de herança legítima) e a singular (nos casos de compra e
venda, doação ou legado). No primeiro caso, a lei preconiza a continuidade; no
segundo, a união de posses (acessão). (TARTUCE, 2017, p. 66).
Assim,
o que distingue a Sucessão da União de posses, é o modo pelo qual a posse é
transmitida. Se é transmitida a título universal, há sucessão; se o
título é singular, ocorre união. Não importando, para isso, se a
sucessão seja mortis causa ou inter vivos.
Por
outro lado, a Sucessão de Posses é imperativa; enquanto que a União é
facultativa. Em relação a defesa possessória, tanto o sucessor universal,
quanto o sucessor singular podem defende-la; seja em continuidade, seja em
acessão à posse anterior (TARTUCE, 2017).
Também
é conveniente ressaltar que em relação a este tema a V Jornada de Direito
Civil, ocorrida em 2011, chegou ao consenso de que “a faculdade conferida ao
sucessor singular de somar ou não o tempo da posse de seu antecessor não
significa que, ao optar pela nova contagem, estará livre do vício objetivo que
maculava a posse anterior” – Enunciado n° 494.
Outra
questão que se faz mister notar é a posse em relação a sua amplitude.
Conforme o artigo 1.209 do Código Civil de 2002, “a posse do imóvel faz
presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem”.
Portanto, se A passa a agir como proprietário de uma casa, percebendo os
frutos, reconhecendo-se a posse do imóvel, é presumível, até que se prove o
contrário, que os móveis que estiverem nessa casa também estejam sob posse de
A. Este é o delineamento do art. 1.209 do Código Civil.
Dentre
as formas de aquisição da posse, há que se notar que a aquisição pode ser originária
ou pode ser derivada. Em relação a aquisição originária, tem-se que é o
tipo de aquisição por onde acontece o contato direto entre a pessoa e a coisa;
ao passo que como aquisição derivada encontra-se a aquisição de posse por
intermédio pessoal.
Como
exemplo típico de aquisição originária a doutrina exemplifica o ato de
apreensão de um bem móvel, quando a coisa não tem dono (res nullius) ou
quando a coisa for abandonada (res derelicta). Como exemplo típico de
aquisição derivada, tem-se o caso de tradição, em que tem-se a entrega da
coisa; principal forma de aquisição da propriedade móvel.
A
tradição pode ser classificada, conforme TARTUCE, de 3 (três) maneiras
distintas:
A
primeira classificação a saber é a tradição real. No âmbito da tradição
real tem-se a entrega efetiva, como é o caso da ocorrência de entrega de veículo
pela concessionária em uma relação de compra e venda.
A
segunda classificação a saber é a tradição simbólica. Em relação à
tradição simbólica, ocorre quando existe um ato representativo da transferência
da coisa, como é o caso da entrega das chaves de um apartamento. É o momento em
que a coisa entregue é colocada à disposição da outra parte. Ocorre na traditio
longa manu. Como ilustração, o Código Civil de 2002 disciplinou, como
cláusula especial de compra e venda, a venda sobre documentos, momento
em que a entrega efetiva do bem móvel é substituída pela entrega de documento
que corresponde à propriedade.
Em
terceiro e último ponto, tem-se a tradição ficta. Esta é a tradição que
se dá pela presunção. É o caso que se vislumbra da traditio brevi manu.
Ocorre quando o possuidor possuía em nome alheio e acaba possuindo em nome
próprio – Como exemplo tem-se o locatário que compra o imóvel; passando a ser
proprietário. É possível identificar também a tradição ficta no constituto
possessório ou cláusula constituti, momento em que o possuidor
possuía em nome próprio e passa a possuir em nome alheio – Como exemplo, tem-se
o proprietário que vende o imóvel, mas permanece no mesmo como locatário.
Outrossim,
estabelece o artigo 1.205 do Código Civil que a posse pode ser adquirida: 1)
pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; e, 2) por terceiro
sem mandato, dependendo de ratificação. Assim se estabelece que a posse pode
ser adquirida pelo próprio sujeito que apreende a coisa, desde que capaz; por seu
representante legal ou convencional – exemplo, herdeiro e mandatário – ou, 3)
por terceiro que não tenha mandato, desde que haja a confirmação posterior, com
efeitos ex tunc.
O
artigo 1.205 do Código Civil, quando comparado com o artigo 494 do Código Civil
de 11916 apresenta insuficiência, pela falta de menção ao constituto
possessório. A fim de que haja completude, a I Jornada de Direito Civil aprovou
o enunciado n 77, estabelecendo que “a posse das coisas móveis e imóveis também
pode ser transmitida pelo constituto possessório”. É uma realidade que também
pode ser pinçada do art. 1.204 do CC/2002, pelo qual se adquire a posse por
qualquer forma de aquisição dos poderes relativos à propriedade. O constituto
possessório se diz do meio contratual pelo qual o alienante – vendedor –
transmite a posse da coisa alienada ao nome do comprador, embora continue a
deter o bem; ou seja, é o desprendimento de posse.
Mesmo
que não tenha sido tratado o assunto no Código Civil de 2002, é perfeitamente
possível que, havendo aquisição ou transmissão de posse por intermédio do
constituto possessório, pode, o novo possuidor defender-se de quem quer que lhe
turbe ou esbulhe, conforme entende o STJ, já que “(...) o comprador do imóvel
com ‘cláusula constituti’ passa a exercer posse, que pode ser defendida através
da reintegração (...)” (STJ, REsp 173.183/TO, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR,
4ª TURMA, julgamento 01-09-1998, DJ 19-10-1998, p. 110).
É
necessário que se tome cuidado para não confundir o artigo 1.203 com o 1.207 do
Código Civil de 2002. Em relação a esta possível confusão, reitera-se que a
posse, pelo princípio da continuidade do caráter, em regra, mantém os mesmos
atributos da sua aquisição. A confusão pode ocorrer quando o assunto atinge a
ceara do Direito Sucessório, conforme tratou-se anteriormente.
O
artigo 1.203 é latente quando trata do assunto, pois, “salvo prova em
contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”
(BRASIL, 2002, n.p.). O princípio da continuidade do caráter da posse
pode ser mitigado – tornar-se mais ameno. Como é de se notar, há uma presunção juris
tantum; ou seja, uma presunção relativa, tal conclusão se tira do artigo
1.208 do CC/2002 – que estabelece que não induz posse atos de mera permissão ou
tolerância.
Em
relação à perda da posse, faz-se mister notar que o legislador atual
teve preferência por uma escolha genérica, prevendo, pelo artigo 1.223 que
“perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder
sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196” (BRASIL, 2002, n. p.). Portanto,
cessando os atributos relativos à propriedade, também cessa a posse, que é
perdida, ou, no caso, extinta. Serve de exemplo ilustrativo o que determinava o
artigo 520 do CC de 1916, por sua expressividade, em seu rol de numerus
apertus. De acordo com o referido, perde-se a posse: a) pelo abandono da
coisa (derrelição), o que faz surgir a coisa abandonada (res
derelicta); b) pela tradição, a qual pode ser real, simbólica ou ficta,
conforme estudado; c) pela perda ou destruição da coisa possuída; d) quando a
coisa é colocada fora do comércio, ou seja, quando a coisa é tratada como bem
inalienável – conforme o art. 86 do CC de 2002, que dispõe que “são consumíveis
os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância,
sendo também considerados tais os destinados à alienação” (BRASIL, 2002, n. p.)
– assim, quando o bem não tem capacidade de alienação, também perde-se a posse
por inconsuntibilidade jurídica; e) pela posse de outrem, mesmo contra a
vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado à posse em
tempo competente; e, por fim, f) pelo constituto possessório ou cláusula
constituti, ocasião em que a pessoa possuía o bem em nome próprio e passa a
possuir em nome alheio (forma de aquisição e perda da posse, ao mesmo tempo).
Ainda
em relação à lei, o artigo 1.224 do CC/2002, estabelece que “só se considera
perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele,
se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente
repelido” (BRASIL, 2002, n.p.). Portanto, só se considera perdida a posse para
quem não presenciou o esbulho, e quando, tendo noticio do mesmo, se abstém de
retornar a coisa; ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. Logo, se
o possuidor não presenciou o esbulho, só há perda de posse caso, no momento da
informação, não tomar as medidas necessárias ou, ao tomar tais medidas, acaba
sendo repelido com violência, e contanto que não busque, após tais atos, cessar
essa violência.
Esse
dispositivo mantém uma íntima relação com a boa-fé objetiva, em particular, com
a perda de um direito ou de posição jurídica pelo seu não exercício no tempo – supressio
– bem como, com a vedação do comportamento contraditório – venire contra
factum proprium non potest. Assim, o possuidor que não toma medidas
cabíveis no momento de conhecimento do esbulho não pode, após a consolidação,
lançar mão contra ato de terceiro. Portanto, a lei entende que a posse está
perdida; o que, por ser presunção juris tantum, admite prova em
contrário.
Vale
lembrar que essa situação não legitima a autotutela, mas sim, trata-se
unicamente de possibilidade de meios processuais de praxe. Ainda vale lembrar
que a autotutela está claramente disposta no §1° do artigo 1.210 do CC/2002, ao
rememorar que “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou
restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de
defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse” (BRASIL, 2002, n.p.).
Isto
ocorre com vistas a serem rechaçados os comportamentos tidos como bárbaros de
inestimáveis consequências; atos estes tão comuns correlacionado às questões
jurídicas que decorrem da própria disputa pela posse de terras. Note-se que a
autotutela é excepcional e, de tal modo, abarca interpretação restritiva. O
melhor a ser feito nestes casos, sem dúvidas, é levar o conhecimento da lesão
do possuidor ao Poder Judiciário que, por sua vez, sendo a posse nova, poderá
conceder ao autor a antecipação da tutela possessória, como prevê o artigo 924
do antigo CPC – “regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse
as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação
ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o
caráter possessório” (BRASIL, 1973, n. p.) – que é reproduzido pelo artigo 558
do CPC/15 – “regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as
normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e
dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial” (BRASIL, 2015, n.
p.).
1.11 – EFEITOS DA POSSE
Com
relação aos efeitos da posse, se faz mister uma análise dos dispositivos legais
que se encontram no Código Civil de 2002 em consonância com o que é disposto na
doutrina, pois a posse, apesar da existência dos efeitos materiais, gera
inúmeros efeitos processuais que são de relevante interesse.
A
teoria do diálogo das fontes é crucial neste momento porque trabalha o
assunto tanto no âmbito do Direito Civil, como no âmbito do Direito Processual
Civil. Esta tese foi desenvolvida na Alemanha, pelo jurista Erik Jayme e foi
trazida ao Brasil. Tal é justificada pela atualidade do Direito, onde, na
pós-modernidade encontra-se uma verdadeira explosão legislativa.
Para
esta tese, o jurista, no meio de incontáveis leis, deve se pautar pelo caminho
metodológico partindo de uma visão unitária do sistema, onde as normas admitem
um diálogo de complementaridade; ou seja, uma compatibilidade.
Conforme
o autor desta tese, o Direito, como parte da cultura dos povos, muda com a
crise da pós-modernidade. Tem-se o pluralismo se manifestando na multiplicidade
de fontes legislativas que regulam o mesmo fato.
Quando
estão em foco o Direito Civil e o Direito Processual Civil, com a entrada em
vigor do Código Civil de 2002, esta relação pode ser vista claramente,
porquanto a matéria das relações civis demanda a complementaridade do assunto
no campo processual, e, assim sendo, é de grande importância relativa.
Neste
ponto, FLÁVIO TARTUCE é categórico:
Ademais,
acreditamos que a adoção de um modelo aberto e principiológico pelo Novo CPC
intensificará ainda mais as interações entre essa norma e o Código Civil no
futuro, em um necessário e sempre sadio diálogo entre as fontes. Dessa forma,
como afirma Fernanda Tartuce, o diálogo entre civilistas e processualistas é
como um diálogo entre irmãos, muitas vezes complicado e difícil, mas
primordial para o desenvolvimento científico do Direito brasileiro. (TARTUCE,
2017, p. 50).
Desta
forma, se faz crucial uma abordagem pelo limiar do diálogo entre as fontes, e,
sendo assim, não há como entender os efeitos da posse sem que se faça uma
leitura ampla destas duas fontes – Direito Civil e Direito Processual Civil.
Para tanto, procede-se a um tratamento, logo abaixo, dos pontos principais dos
efeitos possessórios.
1.11.1 – FACULDADE DE INVOCAÇÃO DE
INTERDITOS POSSESSÓRIOS
Pode-se
dizer que os interditos possessórios são as ações possessórias diretas. Por
eles, o possuidor apresenta a faculdade de propor demandas com o objetivo de
manter-se possuidor ou com o objetivo de restituição. Assim, é necessário que
se observe as regras processuais previstas, com início no artigo 554 do CPC/15.
Art. 554. A
propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz
conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos
pressupostos estejam provados. §1° No caso de ação possessória em que figure no
polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos
ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver
pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. §2°
Para fim da citação pessoal prevista no §1°, o oficial de justiça procurará os
ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados.
§3° O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação
prevista no §1° e dos respectivos prazos processuais, podendo, para tanto,
valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na
região do conflito e de outros meios. (BRASIL, 2015, n. p.).
Em
prática, o que se percebe é que existem 3 (três) ações correspondentes
possíveis: 1) Ação de Interdito Proibitório – nos casos de ameaça à posse –
risco de atentado à posse (Art. 567 do CPC/15 – O possuidor direto ou indireto
que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o
segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandato proibitório em que se
comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito); 2) Ação
de Manutenção de Posse – nos casos de turbação – atentados fracionados à posse
(Art. 560 do CPC/15 – O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação); e, por fim, 3) Ação de reintegração de posse – no caso de esbulho –
atentado consolidado à posse (Art. 560 do CPC/15 – O possuidor tem direito a
ser [...] reintegrado em caso de esbulho).
Tratando-se
da ameaça, é necessário notar que ainda não há nenhum atentado
concretizado, como é o caso de um movimento popular que se encontre próximo a
uma propriedade, sem que a mesma seja invadida – visto aqui uma situação de
mero risco. Vale lembrar ainda que de acordo com a Súmula 228 do STJ “é
inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”. Isso
aduz que, em relação aos direitos de autor, esta medida preventiva possessória
não é cabível; porquanto estabelece-se que não há como reconhecer a posse sobre
bens imateriais ou direitos da personalidade, como é o caso em questão. No
entanto, cabem obrigações de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa certa,
tendo em vista a viabilidade de tutela específica para cumprimento nos ditames
dos dispositivos normativos respectivos (TARTUCE, 2017).
Já,
em caso de turbação, o atentado já é tido como ocorrido em algum
momento, a doutrina traz o exemplo do caso dos integrantes desse mesmo
movimento, os quais levam cavalos para pastar na fazenda que será invadida,
sem, contudo, adentrá-la de forma definitiva (TARTUCE, 2017).
Por
seu turno, o esbulho, é o momento em que houve reconhecido o atentado em
definitivo. Neste caso, os manifestantes adentram a fazenda e lá se estabelecem
(TARTURCE, 2017).
Neste
ponto:
Como se pode
perceber, no caso de ameaça, a ação de interdito proibitório visa
a proteção do possuidor de perigo iminente. No caso da turbação,
a ação de manutenção de posse tende à sua preservação. Por
derradeiro, no caso de esbulho, a ação de reintegração de posse
almeja a sua devolução. (TARTUCE, 2017, p. 51).
Em
relação ao ponto de vista prático, se faz mister notar que se a invasão ocorre
em parcialidade do imóvel, a ação cabível para o tratamento da questão não é a
manutenção de posse, e sim, a ação de reintegração. Para concluir é
interessante notar como a jurisprudência tem se mostrado perante a invasão
parcial de faixa reservada ao domínio público:
POSSESSÓRIA.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SABESP. LIMINAR INDEFERIDA PELA INCERTEZA DE QUE O
ESBULHO OCORREU A MENOS DE ANO E DIA. INADMISSIBILIDADE. INVASÃO PARCIAL DE
FAIXA RESERVADA. PASSAGEM DE ADUTORA. Inegável a impossibilidade de
ocupação particular clandestina em área com destinação especial. Ademais, os
bens públicos são insusceptíveis de apropriação pelos particulares, de forma
que a posse de mais de ano e dia não gera qualquer direito subjetivo de
permanência. Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento 592.232-5/0, São
Paulo. 10ª Câmara de Direito Público, Rel. TERESA RAMOS MARQUES, 06-11-2006,
v.u, Voto 5.333).
Por
tanto, os bens públicos não são suscetíveis de apropriação por particulares, de
maneira que a posse, não importando se seja velha ou nova, não gera nenhum
direito subjetivo de permanência.
Caso
o advogado se confundir com qual ação possessória entrar, e por erro, entrar
com uma ação que não é correspondente no ordenamento jurídico; com é o caso da
entrada de ação para reintegração de posse para quem esteja sendo turbado; rege
o ordenamento jurídico brasileiro civilista que o juiz se pontue pelo princípio
da fungibilidade. Assim, uma demanda possessória pode ser convertida em outra
livremente, se for alterada a situação fática que a fundamenta; em outras
palavras, é evidenciada a possibilidade de transmudação de uma ação em outra.
Isso se dá pela aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.
A
fungibilidade se explica uma vez que é justificável, pois o autor pleiteia,
junto ao órgão jurisdicional, a proteção de uma situação de fato, qual seja, a
situação possessória, que deve estar evidenciada como idônea e demonstrada a
ofensa ao seu exercício, não importando para tanto se o requerimento para a
proteção seja diverso daquele que é adequado à solução da situação injusta
criada pelo réu (TARTUCE, 2017). Aliás, é possível que, no decorrer da ação a
situação de fato seja alterada, o que justifica também o referido princípio e
sua respectiva aplicação em situações como estas.
Tendo
em vista o diálogo entre as fontes, se faz mister uma comparação da
matéria processual com a matéria civilista no que se relaciona com a
classificação da posse quanto ao tempo e a respectiva ação possessória
ensejada. É fato que, se no caso concreto, a ameaça, a turbação e o esbulho
forem novos, ou seja, se tiverem menos de ano e dia, é cabível a ação
de força nova, que é um interdito possessório que segue o procedimento especial,
onde cabe liminar. Por outro lado, caso a ameaça, a turbação ou o esbulho forem
velhos, ou seja, tenham mais de ano e dia, é cabível a ação de força
velha, a qual segue procedimento comum do CPC/15; onde não é cabível
liminar.
É
interessante notar que, sendo a ação de força velha, não é cabível
liminar por regra. Sendo uma regra, é necessário que se verifique a exceção.
Como exceção tem-se o caso do artigo 565 do CPC/15, abaixo in verbis:
Art. 565 – No litígio
coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado
na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes
de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência
de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto
nos §§ 2° e 4°. §1° Concedida a liminar, se essa não for executada no
prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar
audiência de mediação, nos termos dos §§2° e 4° deste artigo. §2° O
Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria
Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da
justiça. §3° O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando
sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional. §4°
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União,
de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do
litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre
seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para
o conflito possessório. §5° Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio
sobre propriedade de imóvel.
É
ressalvado, portanto, que nas ações possessórias coletivas, é cabível o pedido
liminar, mesmo sendo ação de força velha, desde que haja previamente
audiência de conciliação ou de mediação. Pelo apresentado, é possível que haja
reconhecida a compatibilidade entre este comando processual e o disposto no
artigo 1.210 do CC/02. NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, estão
entre os juristas que salientam uma comparação entre o Código Civil de 2002 com
o Código Civil de 1916. Destaca-se que a regra constante no artigo 523 do
antigo Código de 1916 – As ações de manutenção, e as de esbulho serão sumárias,
quando intentadas dentro de ano e dia da turbação ou esbulho; e passado esse
prazo, ordinárias, não perdendo, com tudo, o caráter possessório – não foi reproduzida
no Código Civil de 2002, ficando a cabo da matéria processual deliberar sobre o
tema, o que ficara por conta do artigo citado acima, encontrado no Código de
Processo Civil editado em 2015.
Pelo
artigo 555 do CPC/15 é visto que é lícito ao autor cumular ao pedido
possessório o pedido de: a) condenação em perdas e danos; e, b) indenização dos
frutos. Esta menção à perdas e danos contava do antigo CPC, e incluía, em
regra, os danos emergentes – o que foi efetivamente perdido – e os lucros
cessantes – aquilo que razoavelmente deixou-se de lucrar – nos termos dos arts.
402 a 404 do CC/02. Contudo, além desses danos citados – materiais e
patrimoniais – é possível que se entenda que cabe indenização por danos morais,
caso o possuidor tenha sofrido atentado à posse em circunstância de lesão aos
direitos da personalidade (TARTUCE, 2017).
Como
título de exemplo de fixação dos danos materiais, a doutrina traz o exemplo do aluguel-pena,
que é devido em casos de comodato. O aluguel-pena é vislumbrado quando,
no caso de comodato, citado o comodatário pelo comodante, acaba se constituindo
em mora o primeiro, fazendo com que se responda pela mora, além de pagar, até o
momento de restituição, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante –
art. 582 do CC/02 – “O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria
fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou
a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário
constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o
aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante” (BRASIL, 2002, n. p.).
Nesse
ponto, também é interessante verificar como a jurisprudência paulista trata da
questão:
AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PERDAS E DANOS. COMODATO VERBAL. IMÓVEIS DE
PROPRIEDADE DA AUTORA. NOTIFICAÇÃO DA RÉ, SEM DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. ESBULHO
CARACTERIZADO. Pedidos de arbitramento de aluguel e de pagamento de débitos
fiscais incidentes sobre o imóvel. Possibilidade. Sentença reformada.
Recurso provido. (TJSP, Apelação Cível 1000430-44.2014.8.26.0001. Acórdão 8083738,
São Paulo, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. PEDRO KODAMA, j.
09.12.2014, DJESP 19.12.2014).
Já,
em relação a ilustração para danos morais, menciona-se a situação em que o
proprietário que invade um imóvel durante a vigência de um contrato de locação,
arrombando-o e trocando a sua fechadura. Nesta situação é latente a
configuração de abuso de direito por parte do locador, podendo, o locatário,
ingressar com ação de reintegração de posse e pleitear danos morais em
razão da lesão à moradia, sem obstar a indenização pelos danos materiais. Assim
vem decidindo o Tribunal do Rio Grande do Sul, conforme a ementa citada abaixo:
O arrombamento do
imóvel e substituição de fechaduras por conta própria caracteriza abuso de
direito (art. 187, Código Civil) e gera o dever de indenizar danos materiais e
morais dele decorrentes. Danos morais configurados. Indenização devida. Demonstrados
os danos materiais correspondentes à perda de bens móveis (insumos) que se
encontravam no estabelecimento do locatário, bem como a ocorrência de lucros
cessantes, é devida a indenização correspondente. Deferido o pedido de
reembolso do valor de serviços prestados pela locatária aos clientes do locador,
em observância às circunstâncias do caso concreto. (TJRS, Apelação Cível
0067563-16.2014.21.7000, Porto Alegre, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. PAULO SÉRGIO
SCARPARO, j. 20.11.2014, DJERS 26.11.2014).
Faz-se
necessário estabelecer neste ponto que, conforme foi reconhecido pela III
Jornada de Direito Civil – 2004 -, os danos morais não se confundem com os
meros aborrecimentos decorrentes do dia a dia, principalmente com os que forem
resultantes prejuízos que são meramente materiais – Enunciado 159 do CJF/STJ.
Outro
fato que é interessante notar é o fato de que as ações possessórias diretas
abarcam natureza dúplice. Em outras palavras, é lícito ao réu, na
contestação, alegando que ele sim é que fora ofendido em sua posse, demandar
proteção possessória e a respectiva indenização pelos prejuízos resultantes da
turbação ou do esbulho que cometera o autor. É o que está disposto literalmente
no artigo 922 do antigo CPC, reproduzido no artigo 556 do Código vigente –
2015:
Art. 556 – É
lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar
a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação
ou do esbulho cometido pelo autor. Parágrafo Único: Não obsta à manutenção ou à
reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a
coisa. (BRASIL, 2002, n. p.).
O
pedido contraposto pode ser de proibição, de manutenção ou mesmo de
reintegração da posse em seu favor. Portanto, é totalmente dispensada a
necessidade de uma reconvenção para a aplicação das medidas previstas pelo
artigo 555 do CPC/15. Contudo, caso o réu pretenda outra consequência jurídica
que não seja a proteção da posse ou a indenização por perdas e danos, precisará
ingressar com ação declaratória incidental.
Tendo
por base o artigo 557 do Código de Processo, na pendência de ação possessória é
vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio,
exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa. A título de
exemplo, estabelece-se o caso em que o imóvel objeto de uma reintegração de
posse é invadido por terceiro, pode qualquer uma das partes dirigir um pedido
petitório em face deste terceiro.
O
Código Civil de 2002 consolidou a inviabilidade da alegação de domínio, ou de
propriedade, em sede de ação possessória. Por outras palavras, o Código trouxe
uma divisão entre os juízos possessórios – nos quais discute-se a posse – e os
juízos petitórios – nos quais discute-se a propriedade. Nesta linha, estatui o
Enunciado 78 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, que aduz que
“tendo em vista a não recepção (...) da exceptio proprietatis em
caso de ausência de prova suficiente para
embasar decisão liminar ou sentença final
ancorada exclusivamente no jus possessionis, deverá o pedido ser indeferido
e julgado improcedente, não obstante
eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso”.
A
ação possessória é o caminho para discutir a posse enquanto que a ação
petitória é o caminho processual a ser percorrido para a discussão da
propriedade e do domínio, de modo não que não possibilidade de embaralhamento
das duas vias. Enquanto a posse é relação de fato; a propriedade é relação de
direito. Esta circunstância faz cair por terra a redação da Súmula 487 do STF,
que aduz que “será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se
com base neste for ela disputada”. Tal situação ocorre porque é impossível que
se discuta a posse na ação de domínio e tudo isto é confirmado pelo Novo Código
de Processo Civil.
Com
relação à concessão de liminar inaudita altera par, sem ouvir a outra
parte, nas ações possessórias diretas por força nova e apresentada no
artigo 562 do CPC/15 caput. Por esse artigo é possível que se evidencie
que “estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração,
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado,
citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada”. Esta audiência
é a audiência de justificação, comum nas ações possessórias.
A
liminar tem natureza de adiantamento do resultado do pedido de proteção
possessória. A sua concessão funciona como se estivesse o magistrado julgando o
pedido procedente, de maneira antecipada e provisória, até que seja feita a
instrução e logo venha a sentença. O juiz pode revogar a liminar e concedê-la
novamente, caso seja a situação, ou poderá estar motivado pelo juízo de
retratação, caso seja interposto agravo de instrumento.
1.11.2 – INGRESSO DE DEMAIS AÇÕES
POSSESSÓRIAS
Além
das ações possessórias diretas, ou seja, além dos interditos possessórios
estudos, se faz mister analisar outras ações em que a posse é discutida, e que
também traduzem efeitos processuais do instituto em estudo.
1.11.2.1 – AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA
Esta
ação visa impedir a continuação de obras em terreno vizinho que prejudique o
possuidor ou o proprietário, ou que estão em desacordo com regulamentos civis e
administrativos.
No
CPC/15, a demanda é tratada no procedimento comum. Já tratada no CPC de 1973,
esta demanda é perfeitamente possível na legislação atual, muito em razão do
artigo 47, §1°, do CPC, que estabelece que para as ações fundadas em direito
real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa. Contudo,
identifica-se a ressalva de que o autor, no momento do ingresso, pode acabar
optando pelo foro de domicilio do réu ou pelo foro de eleição, se o litígio não
recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação
de terras e de nunciação de obra nova.
Embora
o tratamento dado antigamente pelo CPC de 1973 não prosperou na propositura do
CPC de 2015, é interessante notar que as regras para a petição inicial dessa
ação são as mesmas que as regras gerais, dispostas no artigo 319 do CPC/15, de
modo que ainda é possível a cominação de pena e a condenação de perdas e danos,
posicionamentos estes embasados pela interpretação de várias regras não apenas
da legislação processual, como também estão amparados pela legislação material
(TARTUCE, 2017).
Em
havendo a necessidade de demolição, colheita, corte de madeiras, extração de
minérios e obras de mesmo padrão, era possível incluir o pedido de apreensão e
depósito dos materiais e produtos já retirados. Assim, a ação de nunciação de
obra nova poderia ser convertida em ação demolitória, conforme embasava a
jurisprudência. Uma conversão que levava, sempre, em vista a razoabilidade e a
atenção ao princípio da função social da posse e da propriedade. Não obstante
não conste no CPC/15 tal previsão, doutrinadores afirmam que esta conversão
ainda é perfeitamente possível, sempre em casos excepcionais.
Além disso, o CPC de 73 abarcava a
possibilidade de embargo liminar em sede de ação de nunciação de obra nova,
após prévia justificativa. Como também ocorre nas ações possessórias diretas,
não há nenhuma dúvida de que tal liminar apresentava natureza de tutela
antecipada. Essa natureza é mantida sob a vigência do CPC/15, apesar de não ser
mais viável. Era forte o entendimento pelos processualistas de que a não
concessão da antiga liminar fazia com que a ação de nunciação de obra nova
perdesse o objeto.
O assunto abordado não exauriu o tema, mas os principais registros se encontram no corpo desta publicação, até a próxima!
Atenciosamente;
Gabriel Magalhães
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo
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